sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O estranho caso da Pizza 57

Tudo aconteceu num fim de tarde cinzento e chuvoso como hoje. Eu não acredito nestas histórias absurdas e fantasiosas mas, contarei para que você mesmo tire a sua própria conclusão do que ocorreu naquele fatídico dia de janeiro...

Aconteceu num shopping daqui há um tempo atrás. Não muito. O Falmboyant outrora fora um lugar movimentado e badalado; mas hoje é apenas uma sombra do seu passado. Há alguns anos, quando eu era jovem, o shooping era frequentado por gente da alta sociedade. Mas o tempo não reservou um bom destino: o centro da vida social da cidade se deslocou para o sul e com o passar dos anos, o Falmboyant se esvaziou, tornando-se um lugar esquecido, sombrio e decadente.

Quase todas as lojas fecharam, e as que restaram são uns pardieros de qualidade bem duvidosa. Na verdade, só não fechou porque o público não sumiu completamente. Os visitantes mudaram de rosto. Agora somente figuras estranhas frequentam aquele lugar, e bem da verdade, isso foi o verdadeiro motivo que impediu o fechamento completo daquela espelunca!

Pois bem, foi num dia chuvoso de janeiro que tudo aconteceu. Nesta época do ano, o que já era vazio se tornou ainda mais. Se existisse o limbo sobre a terra, certamente seria aquele lugar.

A praça de alimentação era um dos poucos lugares que resistia ao fechamento, ainda que os sinais da decadência já eram bem evidentes. Em uma certa tarde, a luz fraca do crepúsculo penetrava pelos vidros amarelados e turvados pelo tempo e iluminava uma figura que lentamente saía dos corredores obscuros do shopping em direção à praça de alimentação.

Era um senhor com uma aparência deplorável. Contudo, apesar do tempo ter levado embora a juventude, o velho ainda tinha algo de inquietante em seus olhos. As pessoas que o viram não sabia bem descrever esta sensação. Talvez isso se deve ao que ocorreu depois. Segundo relatam, ele era um homem alto, de uma magreza assustadora, pálido, calvo, olhos fundos e um semblante que denotava cansaço e resignação.

O homem, ou melhor dizendo, o esboço do que fora homem um dia, se dirigiu lentamente a uma pizzaria. O velho exalava um odor fétido e sua presença tinha algo de assutadoramente inquietante que sinalava uma proveniência espectral. Com uma voz rouca e débil ele pediu uma pizza de pepperoni. A atendente, assutada com aquela figura hedionda, foi incapaz de qualquer reação. Pobre atendente!

Não tendo o seu pedido registrado, velho perdeu qualquer traço que lembrasse uma resignação mórbida para subitamente ser possuído por um acesso de fúria e loucura. Os olhos, quase saindo das órbitas, se tornaram repletos de insanidade. Cada linha de expressão se contorceu dando lugar a uma careta disforme, e o seu rosto adquiriu traços bizarros tal qual um origami mal feito e amassado.

E uma voz gutural (ou um som que lembrava uma voz) o velho berrou:


"Exijo uma pizza de pepperonni!".
A atendente, como que arracanda de um pesadelo para se encontrar em um pior, volta a si e imediatamente registra: "O seu pedido, senhor, é o de número 57!”. O velho, tão rapiamente foi acometido pela fúria, voltou a exibir um olhar melancólico . Ele pagou com uma nota de 10 reais velha e desgastada, pegou o bilhete e vagarosamente se retirou para esperar a sua pizza…

Depois de um tempo a pizza ficou pronta, mas ninguém para pegar. A atendente conferiu o quadro eletrônico e lá marcava 57. Passaram cinco minutos, mais 10, 15...meia hora e nada! Pensaram que o velho tinha desistido e ido embora, ou talvez seria mais um louco que entrou no shopping para fumar. Mas havia certos clientes que não recusariam uma pizza de pepperonni: os ratos da lixeira!

A tarde deu lugar à noite. Era hora do shooping fechar, e, se de manhã poucas pessoas eram vistas naquele lugar maldito, naquele momento quase nenhuma viv'alma lá se encontrava. Foi então que um grito quebrou o silêncio. Alguém percebeu num canto da praça de alimentação algo pertubardor: lá estava o velho prostrado e ainda mais pálido do que antes. Desgraçadamente ele havia falecido enquanto esperava a sua pizza de pepperonni...

Pobre diabo solitário! Ninguém sabia quem era....

Foi um dia bastante pertubardor. Mas o mais estranho ainda está por vir...
Ao fazerem a ronda noturna pelos corredores escuros do shopping, os seguranças relatam sentir a presença de alguém. Não são poucos os que chegaram à beira da loucura ao estarem sozinhos naquele lugar. A pouca iluminacão não permite ver muita coisa naquele recinto. O sentimento de algo terrivelmente iminente a acontecer impele as pessoas se retirarem imediatamente do local. E esta sensação se torna mais incômoda e forte na praça de alimentação.

Contudo, o mais aterrorizante, e o que realmente faz com que as pessoas evitem a praça de alimentação depois de fechada é que um aroma de pizza de pepperoni toma conta do lugar, mesmo sabendo que a lanchonete fechou faz tempo. Não menos estranho é o fato de que a partir daquele dia todas as pizzas de número 57 jamais ficaram prontas. Ou para não dizer quando simplesmente elas somem...Certamente elas não são consumidas neste mundo.

Uma vez, em meio a um silêncio sepulcral, um segurança escutou passos se aproximando ecoando pelos corredores. A escuridão o orpimia. ele olhou em volta e não se via nada. Contudo, o que os olhos não vêem, o nariz cheira! E que cheiro! E ele sentiu um leve aroma tomar conta do recinto e aos poucos sufocar a sua alma.O ambiente foi tomado por aroma putrescente de uma substância orgânica em deteriorização misturado com o cheiro de uma massa que não fora feita neste mundo: o cheiro da massa que o diabo amassou e cozida nos fogos do inferno. Não havia dúvida! Para o horror do segurança, era o aroma de uma pizza de pepperoni! Nenhum fermento deria aquele cheiro ácido e repugnante de uma massa imaterial composta exclusivamente pelo miasma cósmico.

Subitamente, o segurança viu algo que o atormentaria nas noites solitárias. Num canto da sala, entre as pilastras dasgastadas, ele viu emergir da escuridão uma figura disforme. De longe era apenas um borrão branco, algo semelhante à fumaça de uma massa saída do forno. Aquele vapor foi ganhando contornos mais precisos de uma figura tetricamente pálida. E o horror se tornou indescritível quando o segurança constatou que se tratava do velho.

O segurança estava completamente paralizado por aquela visão hedionada. E o desespero tomou conta de cada centrímeto de seu corpo quando ele percebeu, ao longe, a aparição começar a se mover em sua direção. Aqueles olhos atormentados e fundos o observavam profundamente. Foi quando o velho extendeu a mão cadavérica como que pedindo algo, e seus lábios se moviam balbuciando palavras inaudíveis. Mas ao invés de sons, da boca aberta saía uma substância amorfa, e do corpo emanava um fluido que se expandia pelo espaço. Se há algo pior do que uma alma amargurada, é uma alma amargurada e faminta!

Pelas últimas forças o segurança conseguiu correr em direção à saída daquele lugar. E pela última olhada que se atreveu a dar, ele viu a figura simplesmente evaporar ao mergulhar novamente nas trevas.

Mesmo de manhã, as atendentes juram ver a figura do velho andando com um ar triste pela praça para logo então sumir.

Era uma tarde cinza como hoje, quando os céus choravam por uma alma eternamente atormentada e condenada a vagar pelo limbo em busca daquilo que não conseguiu em vida: a pizza de pepperonni de número 57!

Reza a lenda que caso você pense no número 57 ao comer uma pizza de pepperoni o velho te fará uma visita a noite.

Bom apetite!

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