terça-feira, 24 de novembro de 2009
Estou sendo inconveniente?
Pergunta: Nossa, mas o que faz para manter a forma?
Resposta: Olha, vou contar-lhe uma dica: eu uso o botãozinho de justificar do meu editor de texto. Os resultados são instantâneos e fenomenais!
Pergunta: Mas e naqueles momentos na rua em que converso comigo mesmo, em voz alta, em língua estrangeira, estou verbalizando o óbvio?
Resposta: Não. Possivelmente é resultado de um auto relato a fim de dar significado ou complexificar uma situação ou acontecimento; ao passo em que treina uma língua estrangeira. Extremamente produtivo e não há quase nada de estranho nisso. Pode ser paranóia se o comportamento for mantido para afugentar as pessoas devido à mania de perseguição - procure um psicanalista. Também, pode ocorrer de algumas vozes responderem, e até brigarem, dentro de sua cabeça a depender do que for dito. Se isso acontecer, procure um psicólogo e um psiquiatra com urgência. Se, em último caso, você sair nu e aos berros – em língua estrangeira – em uma rua movimentada não procure ninguém, é estresse. Em todo caso, vista-se, pare de gritar e tire um cochilo antes de sair correndo pelado novamente.
Pergunta: Posso fazer uma pergunta?
Resposta: Essa pergunta já foi feita.
Pergunta: Quais seriam, então, os exemplos dessa necessidade tão irritante?
Resposta: Imagine-se encontrando com alguma pessoa que você conheceu na infância. Pode ser um tio, vizinho, mascote de programa de auditório e por aí vai. As primeiras frases proferidas por essa pessoa serão as mais irritantes, óbvias e com uma pitada a mais de conclusões precipitadas:
- Nossa, mas como cresceu! Me lembro de você bem pequenininho. Deste tamanho aqui ó! Agora já está um rapaz bonito, grande, barbado. Aposto que está arrasando com as mocinhas, né?
Encontraremos apenas variações morfológicas e sintáticas, mas sempre o aspecto semântico permanecerá imutável.
Outros exemplos pontuais muito encontrados são:
- Você viu isso?
- Você é um gênio!
¬ - Você ouviu isso?
- Você é muito chato!
- Você me acha atraente, né?
- Mas, que diabos? Tira essa mão daí!
Pergunta: Você é muito chato!
Resposta: Achei que fosse óbvio. Só para constar, o que foi dito nem foi uma pergunta.
Pergunta: Minhas tias dizem exatamente aquelas frases. Aliás, minha mãe também adora reforçar o óbvio. É uma habilidade essencialmente feminina?
Resposta: Não. Por incrível que pareça, há muitos homens que costumam reforçar o óbvio, principalmente, na presença de outros homens. Talvez seja uma tentativa de reforçar a masculinidade em meio social:
- Que mulherão!
- Foi pênalti, foi pênalti, juiz ladrão, foi pênalti, foi pênalti. Viu, não falei que era pênalti?
- Que pernas!
- Mas o cara também só fica na banheira!
- Que peitos!
- O Atlético Mineiro vai perder.
- Que corpão! Você viu?
Ao que parece, em contato com indivíduos do sexo oposto e em questões políticas, o reforço do óbvio não acontece nos homens devido a inverdade que se coloca na dianteira:
- Não sei de nada!
- Estava vendo o jogo com os amigos.
- Prefiro não comentar sobre o assunto.
- Claro que não havia mulheres.
- Nego qualquer participação nestes esquemas.
- Eu também!
Pergunta: Você sofre de algum distúrbio neurológico ou patologia psicológica?
Resposta: Só respondo na presença do meu psicólogo.
Pergunta: Qual o papel do famoso “né”?
Resposta: Além de falar pelos cotovelos, determinadas pessoas não entenderam o sentido do universo, das necessidades fisiológicas, da alimentação, do estudo, dos salgados de ontem que para sempre jazem nas cantinas e, enfim, da vida. Esses elementos apresentam mais em comum do que se pode imaginar, porém, após pouquíssimos momentos de abstração, a conclusão é clara como o céu. Por vezes, é acompanhada por aquela famosa frase que sucede ao infortúnio do flagrante de uma traição da esposa com o melhor amigo – “Como não pensei nisso antes?”.
O sentido que há em comum entre o universo, as necessidades fisiológicas, a alimentação, o estudo, os salgados de ontem que para sempre jazem nas cantinas e, enfim, a vida, é o fato de todos seguirem o lema do antigo hit “All by Myself” – Por mais que na juventude o amor era apenas diversão, agora não querem terminar os seus dias sozinhos. E para a decepção das tias românticas, infelizmente, eles irão.
Além disso, o uso do recurso supracitado reforça o óbvio, que a pessoa escutou ao que foi dito e é perdoável nos casos onde o ouvinte sofre de problemas auditivos. Sendo usado após fato óbvio ele é redundante duas vezes, o que pode se tornar duplamente redundante caso o óbvio reforçado for redundante.
Os que dizem “né?”, “não é?”, “não é mesmo?” e suas variâncias com freqüência irritantemente alta provavelmente se tornarão tias românticas,; e por outro lado, não entenderam que para todo e qualquer de pensamento em voz alta, grunhido ou outra manifestação vocal não é necessário uma confirmação do ouvinte. Se já foi dito, usado cordas vocais ou sinais de fumaça os sons, ou imagens visuais, devem ser perpetuados all by itself.
Pergunta: Então quer dizer que falar “não é” como ponto final é chato, né?
Pergunta: E como faço para não reforçar o óbvio?
Resposta: Existem duas maneiras. A primeira é simples e com eficácia comprovada, porém, pode prejudicar qualquer relação que possa ter se estabelecido entre o interlocutor e o ouvinte. É simples:
1 – Se estiver sentado, levante-se.
2 – Aproxime-se do interlocutor.
3 – Simule uma expressão de ódio incontido e insanidade tresloucada.
4 – Feche o punho e o erga até a altura dos olhos.
5 – Projete o punho contraído em direção à cabeça do interlocutor.
6 – Descontraia o punho e erga o dedo indicador em direção ao rosto do interlocutor.
7 – Repita os dizeres: “E que isso não se repita!”
Como há prejuízo físico e danos sociais, alguns preferem um método com menor eficácia – somente ignoram.
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Halloween (atrasado): Conde Crápula.
Um dos filmes mais interessantes sobre vampiros é o Drácula de Bram Stoker, dirigido pelo Coppola, justamente pela peculiaridade da obra que transcende um rótulo simplista de gênero: Drácula chegar a aprofundar de tal modo na dramaticidade da história que eu teria dificuldades em enquadrá-lo no gênero terror. E, de fato, o susto e o medo nem mesmo chegam a ser a tônica do filme. Porém, cabe destacar aqui a diferença entre o terror e o horror: O terror é a qualidade ou o estado de grande pavor ou apreensão, já o horror é a sensação do terrível e medo. O primeiro termo se relaciona com o frenesi de um medo mental e físico da dor, desmembramento e da morte. Já o horror sugere a percepção de algo ruim ou moralmente repulsivo. Deste modo, Drácula de Bram Stoker se torna um expoente do horror ao trazer elementos típicos deste gênero, isto é, aspectos que tornam o ambiente envolto em mistério e no macabro.
Vejo o filme como uma obra independente do livro, contudo o filme e o livro se completam: se o horror moderno descende do romance gótico, o filme, por sua vez, é pintado com cores que não estão presentes no livro, mas que remetem a um estilo romântico/gótico. Se inicialmente Bram Stoker criou um ambiente macabro, Coppola completa a obra ao trabalhar mais a intuição, imaginação e a psique sombria dos indivíduos. O personagem principal deixa de ser o simples mal para ter a individualidade aprofundada e possuir um caráter mais intricado e obscuro. Enfim, o vilão ganha uma carga emocional, ou melhor, um lado humano (não sinônimo de compaixão), ainda que continue sendo um ser monstruoso.
O Romantismo Gótico rejeita a idéia ilustrada (iluminismo) do equilíbrio e do racionalismo em contraste com o mistério, o místico, o passional. E isto fica claro no filme: a oposição entre a ciência e o sobrenatural. A chegada de Drácula em Londres é bem representativa: um príncipe de séculos atrás proveniente de uma das regiões mais isoladas da Europa entra em contato com um centro urbano maravilhado com as novidades da modernidade na virada do século XIX.
E é justamente um renomado cientista, Abrahan Van Helsing, que toma conhecimento da situação atípica, e, a fim de derrotar o inimigo, ele mesmo curva-se perante o sobrenatural.
O romantismo serve de inspiração para a montagem das cenas e da ambientação, assim como os temas: as emoções e os sentimentos dos personagens são a linha que guia a narração; a melancolia e a nostalgia dão a cor do filme; amores irreais e idealizados, acontecimentos históricos e o mistério formam a estrutura da história.
O romantismo também influiu na estética: é literalmente uma pintura. Já na introdução, somos presenteados com tomadas belíssimas que vão desde a queda da cruz da Hagia Sofia até a batalha na qual só podemos ver as silhuetas dos homens contra o pôr-do-sol; ou do retorno de Drácula ao castelo ao suicídio de Elisabeta no rio. E por esta parte técnica que Drácula de Bram Stoker se distancia (ainda mais) dos filmes tradicionais do horror: o soturno, o misterioso e o macabro são mais do que elementos estéticos, são protagonistas da história. Não servem apenas para compor o pavor, mas é a própria essência do filme. A cena do jardim em que Drácula atrai Lucy parece que foi retirada do sonho mais sombrio; totalmente insólito.
Enfim, Dracula de Bram Stoker pode ser visto como uma metalinguagem da própria arte. Já é bem sabido que a modernidade trouxe consigo o desencanto do mundo, uma vez que a ciência ocupou todos os espaços do cotidiano não deixando nenhum vácuo que poderia ser preenchido pela imaginação. Estamos desorientados, presos pela dureza da realidade e da mecanicidade das relações sociais. Deste modo, a arte, hoje, seria uma forma de expressão dos sentimentos e de uma visão de mundo particular de cada pessoa. E também uma fonte de momentos lúdicos ao transformar o fantástico em algo verossímil, pelo menos dentro do universo imaginativo da arte.
Quem não se delicia ouvindo uma boa história de fantasmas ou assistindo a um bom filme de horror? Estas histórias fantásticas, na medida em que resgata um sentimento presente entre todos – o medo –, tornam a nossa vida mais suportável perante o cientificismo. E a essência do medo é justamente o desconhecido e o misterioso. E qual melhor representação dessa oposição do que um ser mítico que desafia a própria ciência em plena modernidade?