quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Gênios - Baseado em fatos reais

             Há necessidade de discernimento: ser ignorante é falta de conhecimento, sabedoria ou instrução, não burrice. Por exemplo, há em uma comunidade de um site de relacionamento de pessoas em que os membros se acham extremamente inteligentes porque fizeram um teste de internet que “mede” o quociente de inteligência. Espero que eles ignorem o fato de que somente o psicólogo tem o poder legal, técnico e prático para aplicar um teste de inteligência e medir o QI com ferramentas cientificamente testadas e comprovadas. Por exemplo, temos o WAIS III (obviamente, traduzido para o Brasil), que se utiliza de dados estatísticos e mede o QI verbal e de execução através de vários subtestes de inteligência. Ou seja, desconhecer isso tudo é somente ignorância. Por outro lado, em uma rápida vasculhada nos membros da comunidade, facilmente encontramos fotos de pessoas sem camisa, com frases de efeito aparentemente inteligentes no perfil e que possuem comunidades relacionadas a axé. Há uma probabilidade imensa de que esses indivíduos são incompatíveis com o QI que dizem possuir. Não há pesquisas que comprovem a correlação entre esses elementos e a burrice, mas tenho um forte palpite de que sim.

                  

Na outra ponte, temos os inteligentes, talentos e gênios. Um talento é alguém com extrema facilidade de aprendizado e capacidade em uma habilidade – Pelé é um talento no futebol. Enquanto isso, um superdotado é alguém com o QI maior do que 130: Francis Galton era superdotado, com o QI de 200 que aprendeu a ler com 2 anos, aos 4 falava latim, sabia um pouco de francês e sabia realizar diversas operações matemáticas. Já o gênio se diferencia do superdotado por ser extremamente criativo, propõe uma quebra de paradigmas, é extremamente produtivo e tem papel fundamental na história da humanidade. Em uma pesquisa científica, foi deduzido que apenas existiram dezoito gênios. Entre eles Newton, Aristóteles, Euler, Michelangelo, Einstein, Mozart, Beethoven, Voltaire e Shakespeare.


Na ocasião de um dia como qualquer outro, em uma sala como todas as outras da universidade federal – mesas rabiscadas e antigas, porta estragada e um calor insuportável,  ocorria apenas mais uma aula onde o assunto era inteligência, superdotação, talentos e habilidades. Após um tempo considerável, explicando sobre os conceitos e elucidando questionamentos, e somente como curiosidade foi mostrada à turma uma lista contendo os  dezoito gênios da humanidade de acordo com uma pesquisa científica. Como toda e qualquer lista, as pessoas resolveram questionar o porquê dos seus personagens favoritos não se apresentarem por ali – “Mas porque não Da Vinci?”

        “Ora, Da Vinci foi um grande inventor, um grande artista de sua época mas pela pesquisa não alcançou o escore de 100 através dos parâmetros determinados. Não houve tanto conhecimento criado verticalmente embora tenha aperfeiçoado muitas coisas. A pesquisa foi baseada em dados históricos, biográficos e enciclopédias. Ocidentais somente, o que é uma pena.” – respondeu pacientemente a Doutora.

Em houve um rebuliço na sala recheada de gênios tão assumidamente verdadeiros quanto Inri Cristo, tão crível quanto zebras com listras púrpuras e douradas pastando entre Foz do Iguaçu e o Chuí e extremamente psicanalistas. Sem muitos rodeios, educação ou respeito, uma aspirante à psicanalista levanta a questão – já esperada, já famigerada e em breve rechaçada – que estava dormente na boca de muitos: “Mas e Freud?”

Há determinados momentos em que uma pessoa se sente tão envergonhada em uma comunidade que prefere procurar algo realmente interessante e inovador na ponta de uma lapiseira, ou contar os grãos de poeira do chão, do que continuar a prestar a atenção naquilo que o deixará extremamente encabulado. É como uma criança e uma mãe bêbada em uma festa de um amiguinho. Ele não pode negar que é filho, mas prefere abaixar a cabeça e contar os granulados em um brigadeiro do que presenciar a baixaria. Confesso que tive um pressentimento de que minha lapiseira era responsável por uma conspiração alienígena e tratei de analisá-la de maneira obsessiva.


“Freud foi uma grande figura, assim como Skinner” – pausa desgostosa para os psicanalistas – “mas não podemos dizer que ele mudou alguma coisa, né?” – Um psicanalista saltou da janela para a morte certa por total desgosto pela vida.

“Claro que mudou! Imagine como nós mulheres estaríamos se não fosse a descoberta da sexualidade. Estaríamos ainda subjugadas aos homens e negando nossa sexualidade”. – A palavra descoberta ecoou por um mísero e interminável momento.

Pausa.

Há momentos em que uma respiração longa e profunda é necessária. Respire fundo e conte até dez vagarosamente.
 Um, dois, três... dez.
 Em meio a pensamentos, segurando os lábios de maneira cruel consegui dizer apenas para minha lapiseira:
“E graças à rápida e fácil disseminação dessa incrível descoberta, o mundo encontrou a década de 60. Vamos nos amar e usar drogas já que o tal do Freud mandou um email pra galera com os seguintes dizeres: Aí mulherada: vamos liberar geral! Tá dominado! Ah, se não fosse meu velho amigo camarada. Ainda viveríamos com uma mulher em casa e outra no prostíbulo. Um viva ao Freud!”

“Então você dedica sua liberdade sexual à Freud?” – Voltando ao audível, a doutora respondeu com uma paciência gigantesca. Por um momento, descolei-me da conspiração e consegui respirar com tranqüilidade. É uma pena que felicidade de pobre dure tão pouco.

“Mas então porque Shakespeare está na lista?” – Não satisfeito alguém perguntou.
 

Não culpo a ignorância, mas temo em dizer que os nervos não estavam em seus melhores dias. A ignorância foi perdoável na medida em que lancei o olhar mais aterrorizado e com carga máxima de desprezo em direção à pessoa que desferiu aquele comentário e que, possivelmente, só assistiu à Shakespeare Apaixonado.

“Terei que ler a pesquisa novamente. Não me lembro com tantos detalhes sobre Shakespeare” – Resposta sincera e inteligente. Caso não se saiba, não há porque inventar: consultamos, pesquisamos e após lermos tudo com cuidado,  somos livres para criticar uma pesquisa.

Mas eis que surge a genialidade máxima e suprema, ser criador de todas as asneiras, que muda completamente os paradigmas do conhecimento boçal e antalógico. Em apenas segundos, destruiu o resto de bom senso da humanidade e estava certa de que mudaria toda a história a partir daí, dizendo vagarosamente e escolhendo bem as palavras que levariam ao Apocalipse:

“Professora, a senhora disse que a pesquisa foi baseada em enciclopédias.”

“Não foi bem o que eu disse. São pesquisas históricas, livros....”

“E as enciclopédias são britânicas e... ” – uma sensação de formigamento foi surgindo na ponta dos dedos e se espalhando pelo braço – “... Shakespeare é inglês.”

Não acreditando em meus ouvidos, me concentrei fortemente na lapiseira que começou a pegar fogo e estourou. Os vidros estilhaçaram e no céu as nuvens escureceram. Era o fim dos tempos.

“Professora, a pesquisa foi tendenciosa para favorecer Shakespeare porque ele é Inglês! Ele não pode ser considerado um gênio.”
“A....n.......ta” – Foi somente o que consegui proferir antes de cair da cadeira, quebrar duas vértebras, sofrer uma parada cardíaca, um acidente vascular cerebral e um rompimento no nervo vestíbulo-coclear. E foi o fim do mundo.

 



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