sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Halloween (atrasado): Conde Crápula.



O Halloween passou, mas não podia deixar de escrever algo sobre. Recentemente está na moda fazer filmes de vampiros (aliás, acho que sempre foi). Personagem fantástico que habita ora nossos sonhos, ora nossos pesadelos, o vampiro desperta reações as mais diversas em nós de acordo com a forma em que é representado: ele pode ser um personagem cruel, melancólico, sedutor, um “super-homem” ou um corpo em decomposição. E assim ele dá escape às nossas mais desvairadas fantasias (afinal, o homem que vence a morte, o maior mistério da vida, é sempre algo que assombra a imaginação humana)

Um dos filmes mais interessantes sobre vampiros é o Drácula de Bram Stoker, dirigido pelo Coppola, justamente pela peculiaridade da obra que transcende um rótulo simplista de gênero: Drácula chegar a aprofundar de tal modo na dramaticidade da história que eu teria dificuldades em enquadrá-lo no gênero terror. E, de fato, o susto e o medo nem mesmo chegam a ser a tônica do filme. Porém, cabe destacar aqui a diferença entre o terror e o horror: O terror é a qualidade ou o estado de grande pavor ou apreensão, já o horror é a sensação do terrível e medo. O primeiro termo se relaciona com o frenesi de um medo mental e físico da dor, desmembramento e da morte. Já o horror sugere a percepção de algo ruim ou moralmente repulsivo. Deste modo, Drácula de Bram Stoker se torna um expoente do horror ao trazer elementos típicos deste gênero, isto é, aspectos que tornam o ambiente envolto em mistério e no macabro.
Vejo o filme como uma obra independente do livro, contudo o filme e o livro se completam: se o horror moderno descende do romance gótico, o filme, por sua vez, é pintado com cores que não estão presentes no livro, mas que remetem a um estilo romântico/gótico. Se inicialmente Bram Stoker criou um ambiente macabro, Coppola completa a obra ao trabalhar mais a intuição, imaginação e a psique sombria dos indivíduos. O personagem principal deixa de ser o simples mal para ter a individualidade aprofundada e possuir um caráter mais intricado e obscuro. Enfim, o vilão ganha uma carga emocional, ou melhor, um lado humano (não sinônimo de compaixão), ainda que continue sendo um ser monstruoso.

O Romantismo Gótico rejeita a idéia ilustrada (iluminismo) do equilíbrio e do racionalismo em contraste com o mistério, o místico, o passional. E isto fica claro no filme: a oposição entre a ciência e o sobrenatural. A chegada de Drácula em Londres é bem representativa: um príncipe de séculos atrás proveniente de uma das regiões mais isoladas da Europa entra em contato com um centro urbano maravilhado com as novidades da modernidade na virada do século XIX.
E é justamente um renomado cientista, Abrahan Van Helsing, que toma conhecimento da situação atípica, e, a fim de derrotar o inimigo, ele mesmo curva-se perante o sobrenatural.
O romantismo serve de inspiração para a montagem das cenas e da ambientação, assim como os temas: as emoções e os sentimentos dos personagens são a linha que guia a narração; a melancolia e a nostalgia dão a cor do filme; amores irreais e idealizados, acontecimentos históricos e o mistério formam a estrutura da história.
O romantismo também influiu na estética: é literalmente uma pintura. Já na introdução, somos presenteados com tomadas belíssimas que vão desde a queda da cruz da Hagia Sofia até a batalha na qual só podemos ver as silhuetas dos homens contra o pôr-do-sol; ou do retorno de Drácula ao castelo ao suicídio de Elisabeta no rio. E por esta parte técnica que Drácula de Bram Stoker se distancia (ainda mais) dos filmes tradicionais do horror: o soturno, o misterioso e o macabro são mais do que elementos estéticos, são protagonistas da história. Não servem apenas para compor o pavor, mas é a própria essência do filme. A cena do jardim em que Drácula atrai Lucy parece que foi retirada do sonho mais sombrio; totalmente insólito.
Enfim, Dracula de Bram Stoker pode ser visto como uma metalinguagem da própria arte. Já é bem sabido que a modernidade trouxe consigo o desencanto do mundo, uma vez que a ciência ocupou todos os espaços do cotidiano não deixando nenhum vácuo que poderia ser preenchido pela imaginação. Estamos desorientados, presos pela dureza da realidade e da mecanicidade das relações sociais. Deste modo, a arte, hoje, seria uma forma de expressão dos sentimentos e de uma visão de mundo particular de cada pessoa. E também uma fonte de momentos lúdicos ao transformar o fantástico em algo verossímil, pelo menos dentro do universo imaginativo da arte.
Quem não se delicia ouvindo uma boa história de fantasmas ou assistindo a um bom filme de horror? Estas histórias fantásticas, na medida em que resgata um sentimento presente entre todos – o medo –, tornam a nossa vida mais suportável perante o cientificismo. E a essência do medo é justamente o desconhecido e o misterioso. E qual melhor representação dessa oposição do que um ser mítico que desafia a própria ciência em plena modernidade?

Nenhum comentário:

Postar um comentário