terça-feira, 22 de setembro de 2009

O nada incrível conto da geléia de maçã


Não só Fulano acordava sempre cedo demais, como deitava sempre tarde demais. Isso acabava lhe causando uma grande e intensa sensação de sono o dia inteiro, a tarde toda e, ainda por cima, durante a noite. Trabalhava em um serviço que lhe sugavam o sangue, a criatividade, o tempo, tudo e mais um tanto. No fim do mês, o resultado de toda essa vampiria das sanguessugas não poderia ser diferente, buracos em todos os lugares – no bolso, na barriga, no pescoço e na mente.

Mas Fulano, dessa vez, não havia dormido tarde, e, por ironia de Murphy, o despertador não tocaria na manhã seguinte – afinal, só lembramos de trocar as pilhas do despertador quando ele não mais funciona. E para isso, é preciso que ele não funcione uma vez ao menos - e essa foi uma vez, importante reiterar.

Foi então que Fulano, agora Beltrano, havia despertado daquele sonho horrendo. Imagine só eu – pensou – trabalhando o dia todo, com pessoas gritando o tempo inteirinho, quando se pode, sossegado, comer uma deliciosa geléia de maçã? E foi então que Fulano, agora Beltrano, tomou seu banho, não fez a barba, fez o desjejum e pôs-se à rua – compraria maçãs frescas, biscoitos e chá, é claro.

No caminho ficou imaginando quando havia começado aquele sonho onde só havia trabalho, vampiros, sanguessugas e sonolência. Não me lembro de ter sido sempre assim – indagou ao escolher uma majestosa maçã – eu era apenas um empregado novo tentando mostrar serviço. Acabou que um dia fui dormir tarde demais e acordei no outro dia cedo demais. Só. Onde foi que o rumo do meu barquinho mudou? E tirando algumas pratas da algibeira, pagou pelas maçãs e seguiu o caminho de casa.

Pegou então o livro de receitas da sua avó e começou a ler: “Selecione algumas maçãs frescas. Lave-as bem e corte em quatro, retirando as sementes. Bata as maçãs cortadas no liquidificador e leve ao fogo com duas xícaras de açúcar.” Beltrano ia seguindo os passos da receita, cuidadosamente, relendo todos os passos com medo de poder errar alguma coisa – afinal, estamos falando de uma geléia de maçã! Por fim, jogou uma gota da geléia em um copo de água fria. Como previsto, ela não se desmanchou  e Fulano agora Beltrano a deixou na janela para esfriar.

Estranhou ao olhar que ali, logo acima da geléia, o sol ia já já descansar. Eram seis horas da tarde – Mas acabei de me levantar, oras! Fulano ainda Beltrano apanhou então a toalha de mesa, preparou as louças e esquentou um chá. Sentou-se só, comeu biscoito com geléia de maçã, intercalando alguns goles de chá fumegante.

Escovou os dentes, deitou-se no lado direito da cama, satisfeito com o processo do seu dia. Ainda que curto, fora o melhor dia de sua vida. Para amanhã, faria geléia de uva! Rolou para o lado esquerdo e se perguntou brevemente, naquele instante que antecede o adormecer: Quando será que irei acordar novamente? E Fulano já não era mais Beltrano.

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