segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Resposta ao Desafio número 1 - Osman

Ora, Osman era Turco. Não no sentido de que ele era de um país longínquo da Europa oriental - ainda que fosse - mas, Osman era de fato um senhor obsessivamente pão-duro, sovina, avarento, mesquinho, unha-de-fome, miserável e, talvez, um pouquinho mão-de-vaca. Ao nascer, quase morreu ao tentar economizar ar. Depois de umas palmadas no bumbum, teve que se contentar em economizar o choro, deu apenas um gritinho fininho.

Osman intrigou os pediatras e geneticistas durante o seu desenvolvimento infantil: antes mesmo de falar, andar, balbuciar, brincar e até mamar, o danado do bebê já possuía o controle dos esfíncteres. Talvez uma habilidade particularmente interessante quando se pensa que o projeto de gente já conseguia segurar todos os presentinhos. Aihdshnuipoanmfpuebf........................................... (Mais detalhes da vida de Osman foi retirado por ordem da família na tentativa de segurar as informações)

E foi então que o velho sovina bateu as botas e não descalçou – ia levar tudo mesmo para o túmulo. Isso acabou causando um tremendo mal estar a todos. Segurava em vida, segurou em morte. A esposa conclamava cinqüenta porcento, o sobrinho que cuidou do velho na doença, vinte e cinco. Cada um dos três filhos, trinta e três. O papagaio só cantava cem por cento. E assim se sucede o fato de que ninguém ali naquele recinto fúnebre trocava uma palavra. A família, como dito anteriormente, também compartilhava desses genes modificados – o luto era mantido no interior de cada um e nem uma gota de lágrima foi derramada. Há de se convir que nem todos familiares compartilhavam do mesmo gene recessivo e, portanto, alguns simplesmente não gostavam mesmo do velho e brigavam mesmo pela herança.

No entanto, senhoras e senhores, algo no enterro foi fora do comum. Lá pelas tantas, uma estranha sensação rondou todos aqueles que ali se encontravam. O defunto estava ainda vivo? Lágrimas começaram a escorrer pelo rosto do presunto. Oman chorou tudo o que não havia chorado durante sua vida - não se podia colocar o coração na balança mais os pertences. Algumas pessoas desataram a chorar, uns pelo fato do morto poder estar vivo, outros pelo fato do morto estar morto e dois e meio por estarem presenciando ali um verdadeiro milagre.

Um primo distante tirou o pulso, ainda estava bem morto. Enquanto os familiares se comoviam e, também, liberavam um pouco de energia e tristezas, de dentro das profundezas da carne em estado pré-putrefado, veio algo que o velho vinha segurando desde a infância. Aquele som gutural, sombrio, lembrava uma mistura de acordes desafinados de violino, motocicleta sem escapamento, tambores africanos e trompetes celestiais. O que veio a seguir não foi nada contido: Algumas pessoas desabaram no choro ainda mais e, assim, o desespero tomava conta do recinto. Nesse momento, ou no breve momento em que as pessoas conseguiram suportar o cheiro fétido de gases seculares, a família finalmente se permitiu olhar para os próprios integrantes e, naquele rio de lágrimas - de desespero, luto ou risos - crescia uma pontada de esperança de que eles mesmos abandonassem o que seguravam a vida inteira. No fim, toda essa pão-duragem deveria ser transgredida, abrindo espaço para que se pudessem compartilhar sonhos, dores, esperança, preocupações e, até porque não, a herança. Em partes que fossem iguais para todos, até para o defunto. Nesse compartilhamento momentâneo, outras sensações de putrefação estomacal eram absorvidas. Felizmente, toda a idéia de compartilhar foi rechaçada em prol da saúde dos pulmões dos indivíduos do local.

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